RELEMBRAR ANTÓNIO ALEIXO…

 (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 – Loulé, 16 de Novembro de 1949)

 

 1 . O homem

Em 18 de Fevereiro de 1899 nasceu António Aleixo, na Freguesia e Concelho de Vila Real de Santo António. Filho de José Fernandes Aleixo (natural de S. Clemente, Loulé), tecelão e de Isabel Maria Casimiro (natural de Vila Real de Santo António), doméstica. António Aleixo merece ser relembrado como poeta que, sendo popular, foi também apreciado por grandes poetas eruditos.

Oriundo, como se vê, de uma família humilde, António Aleixo entronca, na sua poesia, nas raízes da vida e do quotidiano do povo, melhor, entronca na própria escola da vida.

Desta colheu Aleixo a 2ª classe da instrução primária quando, a partir de 1906 os pais passaram a viver em Loulé, altura em que, em 1907, aprende as primeiras letras. Em 1909, improvisa-se como cantador das janeiras e, entre 1912 – então com 13 anos de idade – e 1919, aprende o ofício paterno de tecelão.

Cumulativamente, desponta o seu talento para versejar nas festas, para as quais é, por teima dos amigos, convidado. Em 1919 vai para Faro, onde cumpre o serviço militar como soldado do Regimento de Infantaria ( 18 de Janeiro de 1920) e, a 29 de Abril finaliza a recruta.

Dois anos depois (a 7 de Julho de 1922),  entra para a Policia de Faro, apercebeu-se do seu talento e que, durante décadas, aproveitou em conferências, palestras ou reedição das obras de António Aleixo, a oportunidade de manter viva a sua memória e a sua obra.

 

As obras completas de António Aleixo – estão hoje publicadas com prefácio de Joaquim Magalhães.

 

Obras Completas de António Aleixo

Quando começo a Cantar, 1ª edição, Faro,1943; 2ª edição, Coimbra, 1948; 3ª edição,  Lisboa, 1960;

Intencionais, 1ª edição, Faro, 1945; 2ª edição, Lisboa, 1960;

Auto da Vida e da Morte (1 acto), 1ª edição, Faro, 1948; 2ª edição, Faro, 1968;

Auto do Curandeiro (1 acto), 1ª edição, Faro, 1949; 2ª edição, Faro, 1964;

Auto do Ti Jaquim (2 actos);

Este Livro que vos deixo…, 1ª edição,Lisboa,1969; 2ª edição, Lisboa, 1970; 3ª edição, Lisboa, 1975; 4ª edição, de Vitalino Martins Aleixo (filho do poeta) – fixação do texto, conforme os originais, e a explicação prévia do Auto do Ti Jaquim, põe Ezequiel Ferreira, com prefácios e notas preliminares por Fernando Laginha e Joaquim Magalhães corrigida, Loulé, 1977; 5ª edição (?);  6ª  edição, (?);  7ª edição,  Loulé, 1983;

Inéditos, Loulé, edição de Vitalino Martins Aleixo (filho do poeta), selecção, prefácio, notas, fixação do texto e títulos por Ezequiel Ferreira, Loulé, 1ª edição, 1978, 251 p.; 2ª edição, Loulé, 1979;

Este Livro que vos deixo, Lisboa, Editorial Noticias, vol. I. 17ª edição, Lisboa, 2002, 206 p.;

Este Livro que vos deixo (Inéditos), Lisboa, Editorial Noticias, vol II. 12ª edição, 2002, 223 p.;

António Aleixo O Poeta do Povo, de António de Sousa Duarte. Lisboa, Ancora Editora, 1ª edição, Novembro de 1999, 181 p.;

 

2. A obra

A obra, essa permanece. Entre 1939 – 1940, José Rosa Madeira junta-lhe algumas quadras que darão origem a Quando Começo a Cantar, seu primeiro livro, editado em 25 de Abril de 1943, no Domingo de Páscoa, por iniciativa do Circulo Cultural do Algarve. Em Maio desse ano, Cândido Marrecas faz-lhe referência no jornal de Beja. Mas, o grande divulgador de António Aleixo seria  o  seu  amigo  e    Professor   Liceal  Joaquim  Magalhães,  que  se Homem de Melo (“Povo que Lavras no Rio”, Amália Rodrigues), Luís de Camões, Eugénio de Andrade, Alexandre O’Neill, David Mourão Ferreira, Sofia de Mello Breyner, Miguel Torga e tantos outros.

A razão é simples e não o dizemos como crítica: mais fácil parece ser a escolha daqueles pelos grandes intérpretes – muitos deles internacionalmente consagrados – do que agarrar na “poesia repentista” de um cauteleiro e vendedor de gravatas – António Aleixo – com a 2ª classe, desligado das grandes tertúlias da cultura dos eruditos e, por tal, menos conhecido menos divulgado e, quiçá, “menos apreciado”, porque, provindo do povo era ele próprio, expressão do mais humilde povo.

Mas esta, não será, porém, a ideia daqueles poetas que atrás mencionamos, que muito apreciamos e que não só não marginalizaram António Aleixo como, porventura, muito o apreciaram, como foram casos, os de José Régio e Miguel Torga, por exemplo.

De resto, é próprio do bom gosto e do bom senso de qualquer Aristocracia (do grego, significa “governo dos melhores”), saber integrar no seu seio o valor, o talento dos que – como António Aleixo – sendo valorosos na arte de versejar, não tiveram a oportunidade de frequentar tertúlias ou academias, não tiveram em vida, a alegria de ser contemplados pelos holofotes da Comunicação Social, não tiveram a benesse de ser bafejados pelo poder politico e não tiveram a sua obra estudada em teses.

Mas este país é, para alguns dos seus melhores filhos – é preciso dizê-lo – um país pequeno, de gente muitas vezes pequena, pequenininha. Enquanto a obra de Paul Simon e Art Garfunkel ou de Bob Dylan é estudada e alvo de teses nos Estados Unidos da América do Norte, cá pelo burgo a gestão de uma pertença cultura e de um ensino desligado da Cultura e da Identidade Cultural de um Povo, quase que condena António Aleixo ao imerecido, injusto e escandaloso esquecimento. A Michel Giacometti, que nem sequer era português, mas corso, quase que sucedeu o mesmo, tendo passado décadas com um gravador  de  bobinas,  de  15   quilos,    a   calcorrear campos e aldeias do nosso território luso, para recolher as tradições e  os  cantos  ancestrais  da  nossa herança.

É a época dos grandes conglomerados empresariais dos adubos da Petroquímica, dos bancos. É, também, a época próxima em que o professor Engenheiro José do Nascimento Dias do Nascimento Júnior, pioneiramente escreve a “linha de rumo”, defendendo a electrificação do País como essencial à industrialização do mesmo.

È, também, uma época dos grandes fluxos da emigração para terras de França e de migração dos campos para os complexos industriais do Barreiro, do Seixal, da Moita, de Setúbal de Almada ou de Sacavém.

Mas o País interior mantém-se rural. O florescimento do litoral, enquanto grande pólo de atracção do turismo, ainda não chegou ao Algarve. Por isso, a Vila Real de Santo António do tempo de António Aleixo, é uma pacata vila animada por algum comércio estabelecido com Ayamonte, da vizinha Espanha. O Algarve dessa época é, sobretudo, um Algarve de pescadores, com uma fortíssima tradição piscatória, a qual anima uma forte indústria conserveira, de que Olhão é, talvez, o principal centro mas, também, Tavira, enquanto que o Algarve rural, do barrocal ou da serra algarvia, vive e assenta na exploração, agrícola de pomares, da amêndoa, do figo, do mel, da laranja e da alfarroba.

 

Num país controlado por partido único, policiado, quase todo analfabeto, essencialmente agrícola, parcamente industrializado, carente de serviços de saúde e de vias de comunicação, o Algarve de António Aleixo – numa época em que não havia sequer o aeroporto internacional de Faro – é um Algarve que está longe de tudo, mais longe, mesmo, só Trás-os-Montes, Madeira e Açores e, à época os então territórios ou províncias Ultramarinas.

 

3. O talento

Talvez esteja por fazer o inventário, das quadras quintilhas e sextilhas, compostas por Antonio Aleixo, levadas à música por trovadores, cantores e fadistas, mas é visível que as suas quadras conheceram a voz dos percursores do canto livre e mesmo do fado, na sua mais popular expressão. É, por demais evidente que nos habituámos a ligar à interpretação de grandes cantores e fadistas, o nome de poetas como Pedro musical que, nós próprios, os nossos poderes e eruditos, ignoravam e menosprezavam!

É preciso dizê-lo que nenhum poeta que se preze, digno desse nome, nenhum vulto da cultura que diga sê-lo, pode ignorar António Aleixo ou, sequer, considerá-lo um “poeta menor”. Miguel Torga, eterno candidato ao Nobel da Literatura, bem o apreciou, bem o conheceu e, se poucas vezes se encontraram, numa delas António Aleixo ofereceu a Miguel Torga o seu  livro Quando começo a Cantar…, com a seguinte dedicatória:

“Por não ter outros melhores

Este meu livrinho ofereço

Ao maior de entre os maiores

Poetas que hoje conheço

 

O talento de António Aleixo apreende-se pela forma como compunha. Face às situações do quotidiano que se lhe apresentavam, assim ele criava, muitas vezes de repente (daí o epíteto de “poeta repentista”) as suas quadras, nascidas da dureza da vida de homem humilde e doente e, não obstante, atento ao mundo que o cercava:

“Embora os meu olhos sejam

   Os mais pequenos do mundo,

      O que importa é que eles vejam

        O que os homens são no fundo.” 

Se é verdade que há, em António Aleixo,rasgos de crítica política e quadras referentes aos poderosos e ao estado em que vão deixando a vida dos humildes, do país e da sociedade, o que parece certo é que a injustiça que ele canta na sua poesia, quase sempre, reflexo da injustiça do mundo, que não premeia os desvalidos e os condena a uma existência de mera subsistência.

 

4. A época

A época em que escreve António Aleixo, o mundo em que ele vive, é o “Portugal de Salazar e do Estado Novo”, da Censura e da sinistra PIDE (Policia Internacional de Defesa do Estado). É a época do operariado mineiro das Minas de S. Domingos, no Concelho de Mértola, das do Lousal, em Grândola, das da Panasqueira, nas Beiras, da do operariado do Barreiro, no Distrito de Setúbal.

O povo vê o mundo, está presente nos versos de António Aleixo. Por isso mesmo, nele não se encontrará a preocupação pela métrica poética, nem o embelezamento de estilo “para inglês ver”.

É isso que, explica o êxito de António Aleixo. Ao arrancar ao populus meudo (povo miúdo, como lhe chamava Fernão Lopes) o seu sentir – que ele povo, não conseguiria exprimir com a musicalidade das “quadras do Aleixo” – o poeta e cauteleiro de Vila Real de Santo António e de Loulé soube elevar, acima do quotidiano frágil e sofrível desse povo, os gritos de revolta contra o poder dos poderosos que a “maçã de Adão” das suas gargantas sufocava, Aleixo bem o dizia quando exprimia:

“Vós que lá do vosso império

Prometeis uma mundo novo

Calai-vos que pode o povo

Q´rer um mundo novo a sério”

 

Contra a hipocrisia dos doutores de ocasião, que olhavam de soslaio o povo e a sua cultura não erudita, saiu-lhe a quadra:

“Uma mosca sem valor

Pousa com a mesma alegria

Na careca de um doutor

Como em qualquer porcaria”

 

E mesmo em relação a António de Oliveira Salazar, o omnipotente e omnipresente Presidente do Conselho de Ministros e Chefe do Regime politico que foi o Estado Novo, Aleixo deixou escrito:

“Com uma gravata vermelha?!

Tem cuidado, não te esqueça:

- Que Salazar aconselha

Muitas cores, menos essa.”

 

Apesar destas “tiradas” que ele, António Aleixo, em Loulé, Vila Real de Santo António, Faro ou Coimbra cantava, não se sabe que o regime politico da altura o apoquentasse. À que pensar que “a poesia do Aleixo”, sendo popular e expontânea se integrava naquela faixa de permissividade de critica social e politica que o regime permitia, também, à sátiras do Teatro de Revista, quando o Parque  Mayer  em  Lisboa  conhecia  a  sua  época

Casa-se em Loulé (1924) mas – entre 1928 e 1930 – parte para França como servente de pedreiro. No ano seguinte (1931) regressa à Pátria e vive em Loulé onde se torna cauteleiro e vendedor de gravatas. Dessas experiências da vida escreverá:

 

“Fui polícia, fui soldado,

Estive fora da Nação…

  Vendo jogo, guardo gado

  - Só me falta ser ladrão!”

 

Em 1940 é operado ao estômago em Lisboa e,  a partir de 1943, tuberculoso, é internado no Sanatório de Covões, em Coimbra, onde a doença o retém – entre 1943 e 1949 – quase permanentemente. No Outono de 1949, ainda tuberculoso volta à terra para morrer. Fina-se a 16 de Novembro de 1949.

 

5. Falar de António Aleixo

Falar de António Aleixo é, pois, antes de mais, viajar em pensamento por um Algarve e por um País que, quer se queira ou não, já pouco tem a ver com os dias de hoje. Numa época em que não existia televisão e ter em casa um rádio já era um “luxo”, o estimulo à imaginação e à reprodução da cultura popular era essencialmente, oral. Essa cultura popular,  a  forma como vive o povo e como àurea!

Depois da sua morte ficaram a obra e o talento. Harmoniosas, em rima e musicalidade, grande parte das suas quadras mantêm-se frescas e actuais, como o eram e são, a mais de meio século. A facilidade com que nos é possível memoriza-las e reproduzi-las, diz-nos bem da verdade que é, serem elas mesmo, ainda hoje expressão de situações do quotidiano, ainda observáveis.

Se, na cultura popular é possível a erudição, entendida esta como saber e como reflexo de escola da vida, então justo é, sem favor, olhar para António Aleixo, como homem de instrução modesta mas viva cultura.

Numa época carente de valores, ameaçada pelo esquecimento deliberado e pela perda de traços característicos da nossa cultura (não só popular, mas, erudita, também) não é demais, antes propositado e merecido, trazer ao nosso convívio um pouco de enriquecimento humanista, enraizado na cultura, na identidade e na cultura popular da qual, António Aleixo – com a sua espontaneidade e humildade – foi, também dos mais dignos arautos numa tradição histórica a qual encontra, possivelmente em Gil Vicente e no seu teatro, pela ironia e pela denúncia das injustiças, o seu erudito correspondente.

 

À cultura popular, lembramos a expressão de Ralf Waldo Emerson: “É uma prova de alta cultura, dizer as coisas profundas do modo mais simples.” Foi assim …ANTÓNIO ALEIXO

 

Texto das exposições de Mário Albano.

 

ANTÓNIO ALEIXO ERA HOMEM DE VIDA SIMPLES E PENSAMENTOS ELEVADOS” – MÁRIO ALBANO

Poeta, tocador de guitarra e cantador de fados, por festas e arraiais, autor de quadras burlescas e fesceninas, que mandava imprimir em folhetos e depois vendia de feira em feira.

Operário tecelão, policia, emigrante (França) e cauteleiro – António Fernandes Aleixo nasceu em Vila Real de Santo António em 18 de Fevereiro de 1899.

Casou muito novo e teve sete filhos.

Doente do estômago, cedo foi obrigado a deixar de trabalhar no ofício (tecelagem).

“Alto, tragicamente cómico na sua magreza, triste da tuberculose incurável, a dançar nas roupas esgarçadas e humildes”.

Passou os últimos anos da sua vida internado num sanatório. Nos escassos intervalos consentidos pela doença, aproveitava para vender os seus livros que entretanto ia publicando – e passar cautelas.

De origem proletária, António Aleixo recebeu desde criança,  profundas influências do meio social e familiar, que o marcaram para toda a vida – e em parte explicam o grande poeta que viria a ser.

Filho primogénito dum homem que certamente não fora menino, ele também não o foi. A luta pela sobrevivência, logo nos primeiros anos de vida, e a procura de processos que facilitassem essa luta, ocupavam o primeiro lugar na ordem das preocupações do futuro Poeta. Ser menino era só para os ricos. As vivências desse tempo deixaram-lhe um sulco doloroso na sua alma de Poeta que não podia ficar indiferente  à má sorte dos desgraçados como ele, nem às injustiças e desníveis  sociais que as provocam e reproduzem.

No que respeita à sua fraca instrução não existem referências à forma ou processo como  aprendeu a ler e a escrever, julgando-se presumivelmente que terá sido com o pai e aquando da sua passagem pelo serviço militar.

Faleceu em Loulé para onde fora em pequenino, numa casinha térrea, da travessa do Outeiro. E, por sua expressa vontade, não teve funeral religioso... Mas teve muitos amigos verdadeiros a acompanhá-lo à sepultura.

A falta de aparato religioso foi vista com relutância por várias pessoas, e total desaprovação de outras incapazes de compreender, que nesta última determinação do Poeta se cumpria, até ao último instante, a sua verticalidade humana e a sua coerência de artista.

 

Desta forma, o Poeta viria a falecer na mais extrema miséria, seis meses após ter deixado o Sanatório da Quinta dos Vales em Coimbra.

Faleceu no dia 16 de Novembro de 1949, tinha então cinquenta anos de idade.

 

OS POETAS NÃO TÊM BIOGRAFIA."

A SUA BIOGRAFIA É A SUA OBRA” – OCTÁVIO PAZ

 

LIVROS EDITADOS:

Quando Começo a Cantar – 1943

Intencionais – 1945

Auto da Vida e da Morte – 1948

Auto do Curandeiro – 1949

Este Livro Que Vos Deixo – 1969

Inéditos – 1978

Auto do Ti’Jaquim – (Inédito até à sua inclusão em “Este Livro Que Vos Deixo”)

António Aleixo - O Poeta do Povo - 1999